A questão que vem estampada no título deste artigo tem, por vezes, surgido no bojo de demandas judiciais que envolvem a relação contratual em voga: o representante comercial tem direito ao recebimento da comissão quando concretiza a venda em favor do representado, ou quando este recebe do cliente o preço do produto ou serviço intermediado?
Algumas atividades são consideradas obrigação de meio, tendo-se por exemplo emblemático a própria advocacia contenciosa, em que compete ao advogado constituído o exercício dos meios de defesa dos interesses do constituinte, não se vinculando o aperfeiçoamento da prestação do serviço à obtenção do resultado pretendido, que depende da prestação jurisdicional pelo Estado. Pode-se citar, também, a medicina cirúrgica (não estética), em que o médico se obriga a executar o procedimento a partir da aplicação das práticas e técnicas existentes, mas o resultado depende de outros fatores, como a reação do organismo, o estágio e a gravidade da patologia, circunstâncias essas que não obrigam o prestador a alcançar o resultado esperado.
Já a obrigação de resultado é aquela pela qual se obriga o prestador a atingir o fim colimado em favor do tomador, tendo como clássico exemplo a corretagem imobiliária, na qual o corretor tem direito à comissão quando obtida a aproximação útil entre o comprador/locatário e o vendedor/locador que resulte na celebração de um contrato ou quando aceita a oferta e as condições de pagamento.
Na representação comercial, a previsão expressa do artigo 32 e 33, §1°, ambos da Lei n° 4.886/65, ao nosso ver, não deixam dúvidas de que a atividade é de resultado, ao preverem, respectivamente, que O representante comercial adquire o direito às comissões quando do pagamento dos pedidos ou propostas. e que Nenhuma retribuição será devida ao representante comercial, se a falta de pagamento resultar de insolvência do comprador, bem como se o negócio vier a ser por êle desfeito ou fôr sustada a entrega de mercadorias devido à situação comercial do comprador, capaz de comprometer ou tornar duvidosa a liquidação.
A questão parece mais evidente quando em exame representação comercial em favor de um fornecedor de produtos: efetuada a intermediação, a comissão será devida ao representante uma vez recebido o preço pelo fornecedor.
Mas, quando a representação comercial se opera em favor de um prestador de serviços cuja essência é a continuidade, como, por exemplo, para operadoras de telefonia e de televisão por assinatura, a questão se torna um pouco mais complexa.
Isso porque, nesses tipos de contrato, o resultado útil para o fornecedor não se estabelece no momento em que a intermediação é concluída e o serviço passa a ser prestado, mas apenas quando o novo cliente permanece adimplente na sua base de assinantes por determinado período.
Comum, então, nessas espécies de contrato, cláusulas que condicionem o recebimento da comissão pelo representante à permanência mínima do assinante por determinado período, ou que prevejam a devolução pelo representante de comissões recebidas em antecipação caso o cliente não permaneça contratado pelo período esperado.
E comum, também, é o questionamento judicial por representantes comerciais de prestadores desses serviços quanto à validade dessas cláusulas, normalmente defendendo que a vinculação da perda da comissão à falta de pagamento pelo cliente no período mínimo de permanência estipularia obrigação del credere, ou ainda, que tais estipulações contratuais transfeririam indevidamente ao representante o risco da atividade empresarial do representado.
A cláusula del credere é aquela pela qual o agente se obriga solidariamente pelo adimplemento da obrigação contraída pelo comprador junto ao agenciado. Na Representação Comercial, esse tipo de estipulação é expressamente vedado, pelo artigo 43 da Lei.
Contudo, a perda do direito à comissão ou, ainda, o seu ressarcimento por ocasião da não concretização da venda nos termos definidos no contrato (a permanência mínima do assinante na base de clientes), ao nosso ver, não configuram uma estipulação contratual del credere, afinal, por ser uma clara obrigação de resultado, é apenas quando da obtenção pelo fornecedor do resultado útil esperado que o pagamento da comissão se torna exigível.
A devolução da comissão ou a perda do direito de recebê-la por ocasião do cancelamento do serviço por inadimplência não torna o representante comercial devedor solidário da quantia não paga pelo assinante, prejuízo esse que é suportado exclusivamente pelo fornecedor, daí porque não se vislumbra na hipótese uma cláusula del credere.
Não há se falar, também, em transferência do risco da atividade do representado, pois que a solvência do comprador e o consequente recebimento do preço pelo fornecedor (o resultado útil) são justamente o risco da própria atividade do representante comercial, a quem compete a concretização de negócios mercantis que agreguem o retorno esperado pelo representado.
Sobre o tema e já em conclusão, em acórdão de lavra do Exmo. Ministro Raul Araújo, o STJ bem definiu o caráter de obrigação de resultado da representação comercial e, também, o risco inerente à essa atividade empresarial (REsp nº 1.126.832/RN, Rel. Mi. Raul Araújo, Quarta Turma, j. 07/11/2013, DJe 20/02/2014 – grifos nossos):
Segundo preceituado na Lei 4.886/65, a comissão é a retribuição devida ao representante, no contrato de representação comercial, pela atividade de intermediação nas negociações entre o representado e o terceiro (cliente). Não se trata de remuneração derivada de contrato de trabalho (salário), mas de contraprestação decorrente de contrato empresarial, de maneira que o representante, assumindo riscos empresariais inerentes à atividade econômica de sua representada (no caso, principalmente, trabalhar com êxito e não receber pelo trabalho, caso, porventura, não ocorra o pagamento pelo cliente), intermedeia negócio a ser finalizado entre representado e o cliente, passando a ter direito à comissão respectiva tão logo concluídas as negociações. Porém, e aí está o risco, somente adquirirá o direito ao pagamento da comissão a que já faz jus pela conclusão do negócio depois de recebido o preço pelo representado, salvo estipulação contratual em contrário (Lei 4.886/65, art. 27, f, parte final).
Trata-se de uma obrigação de resultado, não bastando a simples negociação, sem sua finalização, para fins de aquisição do direito à comissão.Tanto é assim que este somente surge quando da atividade do representante resultar utilidade para o representado. Se, por exemplo, o negócio não é concluído por insolvência do terceiro, nenhuma retribuição é devida ao representante pela intermediação frustrada.
Essas importantes definições muito auxiliam e respaldam a conclusão de que, conquanto que devida e claramente definido no contrato de representação comercial em que circunstâncias é esperado o resultado útil pelo representado, tratando-se, ainda, de clara obrigação de resultado, o não pagamento da comissão quando este não é alcançado é, pois, não só legítimo, mas decorrência imediata do pacta sunt servanda, a lei que o contrato estabelece entre as partes, essência jurídica ainda mais insofismável em se tratando de uma relação empresarial como o é a representação comercial.
Autor: Daniel Grandesso
Sócio – Scartezzini Advogados
daniel.grandesso@scartezzini.com.br
Publicado 13/07/20 por Daniel Grandesso.
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