Nos últimos anos, o avanço das tecnologias digitais e o crescimento das redes sociais transformaram a forma como nos comunicamos e consumimos conteúdo. Nesse cenário, surgiu um fenômeno peculiar e digno de atenção: os influenciadores digitais mirins. Esses jovens, muitas vezes crianças, conquistam milhões de seguidores e exercem uma influência significativa no comportamento e nas decisões de compra de seus seguidores. Entretanto, essa nova dinâmica levanta várias questões éticas e legais que precisam ser abordadas com cautela, especialmente pela atuação do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR).
O CONAR é uma entidade privada, sem fins lucrativos, que visa promover a ética na publicidade brasileira. Fundado em 1980, o CONAR atua para evitar abusos e excessos na propaganda comercial, garantindo que ela seja verdadeira, respeitosa e honesta. Com o surgimento dos influenciadores digitais mirins, o CONAR se viu diante de novos desafios para proteger tanto os jovens influenciadores quanto o público que os segue.
Os influenciadores digitais mirins são crianças e adolescentes que, muitas vezes, não têm plena consciência dos impactos de suas ações e das responsabilidades que acompanham sua popularidade. Diante disso, é essencial que a publicidade direcionada por esses jovens seja regulada de maneira adequada para proteger seus direitos e evitar abusos. A publicidade voltada para o público infantil é uma área sensível e rigorosamente regulamentada em muitos países. No Brasil, o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelecem diretrizes claras para proteger as crianças de práticas publicitárias abusivas. O CONAR, por sua vez, adaptou suas normas para incluir disposições específicas sobre a publicidade feita por e para crianças.
Um dos pontos cruciais na regulamentação dos influenciadores digitais mirins é a necessidade de transparência. O público deve ser claramente informado quando um conteúdo é patrocinado ou resultado de uma parceria comercial. Isso é essencial para evitar que os seguidores, especialmente crianças e adolescentes, sejam induzidos a consumir produtos ou serviços sem perceber que estão sendo expostos a um conteúdo publicitário. O CONAR exige que todas as publicidades feitas por influenciadores digitais, incluindo os mirins, sejam claramente identificadas como tal. Essa identificação pode ser feita por meio de hashtags, como #publicidade, #ad, ou qualquer outra forma que deixe claro o caráter comercial do conteúdo.
Outro aspecto vital na regulamentação dos influenciadores digitais mirins é o papel dos pais ou responsáveis. A participação de crianças em campanhas publicitárias deve ser consentida e supervisionada por seus responsáveis legais. O CONAR recomenda que os pais estejam envolvidos em todas as etapas do processo, garantindo que a participação da criança seja voluntária e apropriada para sua idade. Além disso, os pais devem ser responsáveis por garantir que a publicidade respeite os direitos da criança e não a exponha a situações prejudiciais ou constrangedoras. Isso inclui a proteção contra a exploração comercial e a preservação do direito à privacidade e ao descanso.
As agências de publicidade e os anunciantes também têm uma grande responsabilidade na proteção dos influenciadores digitais mirins, da mesma forma, devem garantir que as campanhas publicitárias sejam desenvolvidas em conformidade com as normas do CONAR e outras legislações pertinentes. Isso inclui a criação de conteúdos apropriados para a idade do influenciador e do público-alvo, além de assegurar que a criança não seja exposta a riscos ou situações inadequadas. Uma questão jurídica crucial na participação de crianças em campanhas publicitárias é a necessidade de se obter um alvará judicial. No Brasil, qualquer trabalho artístico realizado por menores de idade, incluindo a participação em publicidades, deve ser autorizado por meio de um alvará expedido pela Vara da Infância e Juventude.
O alvará judicial é um documento que permite e regulamenta a participação da criança em atividades artísticas e publicitárias, assegurando que todas as condições sejam respeitadas, incluindo a proteção ao bem-estar da criança. A obtenção desse alvará envolve a análise de vários fatores, como a duração do trabalho, as condições de segurança, a garantia de que a atividade não prejudicará o desenvolvimento educacional da criança e a confirmação de que a participação é voluntária e aprovada pelos responsáveis. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) proíbe expressamente a exploração do trabalho infantil, estabelecendo diretrizes rigorosas para assegurar que a participação de crianças em atividades comerciais seja regulamentada de forma a não prejudicar seu desenvolvimento físico, mental, moral, social e educacional. As campanhas publicitárias devem ser planejadas e executadas de maneira que respeitem essas normas, garantindo que as crianças não sejam exploradas ou submetidas a pressões comerciais inadequadas.
O CONAR já analisou diversos casos envolvendo influenciadores digitais mirins, estabelecendo precedentes importantes para a regulamentação dessa prática. Um exemplo notável foi o caso de uma campanha publicitária que utilizava uma criança influenciadora para promover produtos alimentícios. A decisão do CONAR foi clara em exigir a identificação do conteúdo como publicitário e a garantia de que as mensagens fossem apropriadas para o público infantil. Em outra decisão, o CONAR reforçou a necessidade de transparência nas publicidades realizadas por crianças, exigindo que os vídeos e postagens patrocinadas fossem claramente identificados. Essas decisões têm servido de base para orientar agências, anunciantes e os próprios influenciadores sobre as melhores práticas na publicidade digital.
À medida que a presença de influenciadores digitais mirins continua a crescer, a regulação desse fenômeno se torna cada vez mais crucial. O CONAR, juntamente com outras entidades reguladoras, precisa continuar a evoluir suas diretrizes para acompanhar as mudanças no ambiente digital e garantir a proteção das crianças envolvidas nesse meio. Um dos caminhos para uma regulação eficaz é a educação e a conscientização. É fundamental que os pais, influenciadores e profissionais de marketing estejam cientes das responsabilidades e dos riscos associados à participação de crianças em campanhas publicitárias. Iniciativas de educação e programas de conscientização podem ajudar a promover práticas mais éticas e responsáveis nesse campo.
A regulamentação da publicidade infantil e dos influenciadores digitais mirins não é um desafio exclusivo do Brasil. Muitos países enfrentam questões semelhantes e podem compartilhar experiências e melhores práticas. A colaboração internacional pode ser um meio eficaz de desenvolver diretrizes mais robustas e consistentes para a proteção das crianças no ambiente digital. Além disso, o uso de tecnologias de monitoramento e inteligência artificial pode ajudar na identificação de conteúdos publicitários inadequados ou não conformes. Ferramentas avançadas podem auxiliar o CONAR a monitorar e analisar grandes volumes de conteúdo digital, garantindo uma aplicação mais eficiente das normas regulatórias.
A presença de influenciadores digitais mirins no cenário atual exige uma abordagem cuidadosa e bem estruturada para garantir a proteção das crianças e a ética na publicidade. O CONAR desempenha um papel fundamental nesse processo, estabelecendo diretrizes claras e agindo para prevenir abusos. No entanto, é necessário um esforço conjunto de todos os envolvidos – pais, agências, anunciantes e reguladores – para assegurar que a publicidade digital evolua de forma responsável e respeitosa. A proteção dos influenciadores digitais mirins e do público infantil deve ser uma prioridade, garantindo que a nova era digital seja segura e benéfica para todos. A contínua adaptação das normas e a promoção da conscientização são passos essenciais para enfrentar os desafios e aproveitar as oportunidades desse dinâmico ambiente digital.
Autor: Daniel Callejon Barani
Sócio – Scartezzini Advogados
daniel.barani@scartezzini.com.br
Publicado 25/07/24 por Daniel Barani.
© - Scartezzini Advogados. Site criado por Agência Javali.